O que foi a Guerra Fria? Para entender: Stranger Things e os muros que criamos com o mundo

 

Stranger Things é uma série baseada no universo da cultura pop (apelidada por muitos de “nerd”) dos anos 80, centrada num clima de mistério em que coisas sobrenaturais atingem uma pequena cidade norte americana e, mais exatamente, um pequeno grupo de amigos.
O clima de mistério é potencializado pelo conceito de mundos paralelos ou, na ótica da série, o mundo invertido. Acredito que a ideia de mundo invertido, como uma realidade copiada da nossa, mas com elementos característicos próprios, seja uma interessante analogia do espelhamento da realidade.
Ora, a realidade é o que nos cerca, e o que percebemos dela é o que tomamos como “verdade” e, pois, o discurso sobre uma determinada verdade é o que se apresenta na série a todo instante, desconstruída pela terrível surpresa dos habitantes do mundo invertido que invade mentes e espreitam a nossa realidade.
Historicamente, porém, podemos encontrar mundos invertidos nos discursos políticos presentes nos anos 80, cuja eco encontramos nos dias de hoje quando vemos pelo mundo essa dualidade muitas vezes infantil entre capitalismo e socialismo (ou comunismo, já que quem fala sobre esses termos tão pouco sabe destacar a diferença terminológica). Na terceira temporada, a polarização mundial entre capitalismo e socialismo e a corrida armamentista e tecnológica chamadas de Guerra Fria foram uma das inspirações para a construção da narrativa: o inimigo está sim do outro lado, não numa parede, mas do outro lado do oceano e do outro lado do discurso político. E, por estar do outro lado, o outro é algo ruim, um espião, alguém que não deseja a minha felicidade.
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, as nações vitoriosas se desentenderam sobre a foram como a Europa deveria ser reconstruída. Isso porque Inglaterra, Estados Unidos e França eram de orientação capitalista, enquanto que a União Soviética era baseada no modo socialista de organização política e econômica. A partir de então os soviéticos se fecharam para o mundo, dominando países vizinhos do leste europeu e ajudando na reconstrução de parte da Alemanha (o lado socialista). Aumentou a disputa entre os lados capitalistas e socialistas em várias áreas: militar, médica, aero espacial, entre outras. A corrida pelo conhecimento e o domínio de forças com base nos conhecimento dos melhores cientistas da época era um objetivo comum entre os dois lados.

Vamos voltar a série. Os roteiristas ultrapassaram a simples temática história em que os anos 80 estavam imersos. Eles reatualizaram os nosso muros: muros políticos, psicológicos, afetivos, de gênero. É o amor não correspondido, é a opção sexual do outro, é a distância imensa entre dois namorados, é a dúvida que afasta amizades, é o luto que afasta o recomeço da vida, é a entrada na adolescência que nos afasta das brincadeiras e do carinho dos nossos pais.
A luta contra o desconhecido, o estranhamento frente aquele suposto antagonista é diluído diante da narrativa em vários momentos, cuja força humana da aproximação por meio do diálogo, da compreensão do outro nos joga de frente para uma necessidade de perceber, nos dias de hoje, que independente da orientação política, religiosa, de gênero ou qualquer outra coisa, somos seres humanos buscando felicidade e equilíbrio entre a nossa felicidade e a felicidade do outro. É aquela música que queremos cantar junto com quem gostamos, é aquela carta que escrevemos quando nos faltam palavras ou a emoção nos engana na hora de falar, é aquele abraço na hora da despedida ou aquela bebida que se toma junto na hora de tomar uma difícil atitude. No fim de tudo, estamos mais unidos do que imaginamos, pois o mesmo rádio que usamos para comunicação (traduzível, independente da nossa vontade) e a matemática com todos seus enigmas, denunciam que somos mais iguais mesmo em nossas diferenças que insistimos em criar para nós, como muros tão sólidos que parecem construídos de areia e água apenas.

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