Tudo começou com dois jovens tímidos de Cleveland, nos Estados Unidos. De origem judaica, Jerry Siegel desde moleque era fã de ficção científica. Sua maior aspiração era se tornar escritor. No ensino médio, ele conheceu Joe Shuster, nascido no Canadá, mas criado em solo americano. Além da habilidade para desenhar, Joe tinha um interesse pelo fisiculturismo. A união das paixões de ambos, na hora certa, produziu uma revolução cultural que ecoa até hoje. Em algum ponto de 1935, a dupla foi responsável pela criação do Superman.
Dois eventos históricos singulares foram fundamentais para criar o pano de fundo que daria origem à indústria dos quadrinhos. O primeiro deles tem origem em 1920, quando o governo americano instituiu a Lei Seca – proibindo a fabricação, o transporte e a comercialização de qualquer bebida alcoólica nos Estados Unidos.
CHEGA O HOMEM DO AMANHÃ
Em 1938, quando a National Allied Publications foi lançar uma nova revista de quadrinhos, mais focada em ação, pediu a Jerry e Joe que propusessem uma história. A imagem icônica do gibi, que chegou ao mercado ao preço de 10 centavos de dólar, era algo nunca visto antes, mas extremamente familiar hoje: um homem muito forte ergue um carro com as próprias mãos, vestido com uma roupa colante azul, um S no peito e uma capa vermelha. Os traços eram de Joe Shuster. É o marco inicial da chamada Era de Ouro dos Quadrinhos.
Harry, contudo, não estava feliz. Ele viu a capa, achou o personagem ridículo e ordenou que o Superman não voltasse a figurar na publicação. Sua reação não foi muito diferente da que tiveram vários outros editores, quando receberam amostras do personagem. O material que figurou na Action Comics 1, inclusive, nada mais era que uma colagem de diversas tirinhas antigas, recortadas e coladas na maior cara de pau.
Apesar do trabalho meio desleixado, e da rejeição interna na editora, a revista foi um estouro de vendas. Pela primeira vez, o mundo foi tomado de assalto por um super-herói – e nunca a humanidade havia precisado tanto deles. A ameaça de guerra na Europa e a crise econômica nos Estados Unidos deixavam todo mundo à espera de um salvador. De certa forma, a mensagem messiânica por trás de um personagem aparentemente bobo como Superman era o que todos – sobretudo os jovens – queriam ter por perto.
Logo que vieram os superlativos números das bancas, surgiu o plano de fazer uma revista mensal inteira só com o Superman. Donenfeld, antes crítico, virou principal propagandeador do homem de azul, e Siegel e Shuster assinaram um contrato-padrão, que lhes dava 140 dólares em troca de todos os direitos sobre o personagem. Além disso, teriam por dez anos a exclusividade na produção das histórias do Superman – o que pareceu ótimo naquele momento.
A FEBRE DO SUPER
Não demorou para que Superman virasse também tirinha de jornal – produzida por Siegel e Shuster, lá é que surgiu toda a história pregressa do herói: Kal-El, enviado do planeta moribundo Krypton para viver entre os humanos, criado por um casal de fazendeiros do Kansas, que preserva sua identidade secreta como o repórter Clark Kent, mas na verdade usa seus poderes para “defender a verdade, a justiça e o modo de vida americano”.
Enquanto os gibis vendiam em quantidade astronômica (tiragens superiores a 1 milhão de cópias), outros editores se preparavam para capitalizar em cima da novidade. Um deles foi Charlie Gaines, que ajudou a produzir o gibi exclusivo do Superman. Ele pediu ao próprio Donenfeld uma grana emprestada para abrir sua própria editora de quadrinhos. Harry aceitou com a condição de que Jack Liebowitz fosse sócio no negócio – mantendo tudo “na família”, por assim dizer. Surgia a All-American Comics.
Claro, quem saiu na frente mais uma vez foi quem soube antes de todo mundo do sucesso do Superman. No fim de 1938, Vin Sullivan, empregado de Donenfeld na National Allied Publications, começou a encomendar a outros colaboradores histórias e personagens com a mesma pegada do Homem de Aço. “Vin conversou com várias pessoas, entre elas (o desenhista) Bob Kane”, conta Gerard Jones, pesquisador e ex-roteirista de quadrinhos que escreveu o livro Homens do Amanhã, sobre a origem da indústria dos heróis. “Era uma sexta-feira. Kane disse que voltaria na segunda-feira com um novo herói.”
Assim, em um fim de semana, nasceu o Batman. Kane o criou em parceria com o roteirista Bill Finger, embora o segundo jamais tenha sido oficialmente creditado e o próprio desenhista só tenha admitido a ajuda após a morte do colega. Kane, assim como quase todos na indústria dos heróis, estava mais para bandido que para mocinho. E então os Estados Unidos entraram na II Guerra Mundial.
Em tempos beligerantes, o cultivo do patriotismo é fundamental. Os super-heróis, com sua clássica, e quase infantil, visão do bem e do mal, serviram muito bem a esse propósito. Com a entrada dos Estados Unidos na guerra, após o bombardeio japonês a Pearl Harbor, no Havaí, em 7 de dezembro de 1941, Superman e seus seguidores passaram mais do que nunca a posar em frente à bandeira americana. Nasceu também, naquele mesmo ano, o mais patriota de todos os heróis: o Capitão América.
Enquanto isso, os heróis iam “para o alto e avante”. Superman virou um caríssimo desenho animado para cinema (e foi lá que ele aprendeu a voar – originalmente, o herói só saltava) e também um programa de rádio. O racionamento de papel, em razão da guerra, não afetava a indústria dos quadrinhos, que era vista pelo governo americano como uma importante peça de propaganda contra as forças do Eixo.
Quando a guerra acabou, o que sobrou foi um mundo a reconstruir. Os quadrinhos de heróis passaram a ser menos interessantes diante de um público mais maduro e calejado. Em contrapartida, crescia o movimento de críticos que atribuíam à violência em suas páginas a delinquência juvenil.
Fora do papel, contudo, a popularidade permanecia. Batman era adaptado para curta-metragens em série no cinema, e o programa de rádio do Superman ousava mexer com as entranhas do racismo americano ao ridicularizar a Ku Klux Klan. Em 1946, munidos por um ativista que se infiltrou no grupo, os produtores decidiram colocar o Homem de Aço contra uma organização que atacava minorias. “A história era chamada The Clan of the Fiery Cross. Era disfarçado, mas totalmente óbvio. Eles mostravam o clã atacando minorias, usando capuzes, fazendo coisas altamente realistas para um programa de rádio infantil”, diz Rick Bowers, autor do livro Superman Versus the Ku Klux Klan.
A história teve excelente audiência e ajudou a desmoralizar o grupo racista, reduzindo seu recrutamento. Segundo a revista Newsweek, foi “o primeiro programa infantil a desenvolver uma consciência social nos jovens”.
Contudo, no mundo das páginas impressas, as críticas não passaram. Pior: chegaram ao auge quando o psiquiatra alemão Fredric Wertham publicou o livro Seduction of the Innocent, em 1954, sugerindo que a maior parte dos casos de violência infantil era influenciada pelos quadrinhos. Em setembro daquele ano, como reação da indústria, surgiu a Comics Code Authority – uma forma de autocensura para eliminar os conteúdos mais violentos. De repente, os heróis não podiam nem dar um murro num bandido que já pegava mal.
ERA DE PRATA
Para dar nova vida aos heróis sob os novos códigos de conduta, seria preciso mais uma explosão criativa. Do lado da DC Comics, no fim dos anos 1950, haveria a reconstrução da mitologia de alguns de seus heróis, como Flash e Lanterna Verde (com mudanças em sua origem e até mesmo em sua identidade secreta), e a criação da Liga da Justiça. Mas desta vez a Marvel responderia à altura.
Stan Lee começou com o Quarteto Fantástico – criado a pedido de Goodman em 1961 para competir com a Liga da Justiça -, mas em rápida sucessão, até 1963, criou Hulk, Thor, Homem-Aranha, Homem-de-Ferro, os Vingadores e os X-Men. Eram heróis mais complexos, para um mundo menos ingênuo. Isso reacendeu a indústria e colocou pela primeira vez a Marvel em condições de competir com a DC.
Enquanto isso, os heróis invadiam com força total a então nascente televisão. Superman chegou com seu seriado em 1952, com uma transição quase natural dos programas de rádio. Pela primeira vez, um ator se identificaria com o papel: George Reeves. Ele interpretou o herói até 1958, mas teve um fim trágico. Suicidou-se no ano seguinte, chocando o mundo e encerrando a produção da série.
Na década de 1960, foi a vez de Batman tomar de assalto a TV, com uma série escrachada, divertida e surreal, protagonizada por Adam West, como Batman, e Burt Ward, como Robin. O programa durou três temporadas, entre 1966 e 1968. E na década seguinte, o Homem-Morcego voltaria à TV, mas na forma de desenho animado: em Superamigos, produzido em parceria com a Hanna-Barbera, ele e o Menino-Prodígio fariam parte de um grupo similar ao da Liga da Justiça, que reunia também Superman, Mulher-Maravilha e Aquaman, entre outros.
O fim da década de 1970 viu a Marvel começando a colocar as manguinhas de fora para arrebentar fora dos quadrinhos, com a série de TV do Hulk.
EXPLOSÃO CRIATIVA – A ERA DE OURO
Entre 1939 e 1941, houve um estouro de criatividade. Tudo motivava novas invenções, que imediatamente caíam no gosto da molecada. Ao ver um funcionário do metrô de Nova York sinalizar para o trem com uma lanterna verde, o desenhista Martin Nodell teve a inspiração para criar o Lanterna Verde, publicado pela All-American Comics. O Flash apareceu naquela época também. E a Mulher-Maravilha foi criada por um psiquiatra que apostava que os quadrinhos deviam ser levados a sério.
Fonte: https://super.abril.com.br/comportamento/como-os-super-herois-nasceram/